Uma pessoa que funda uma Congregação Religiosa traz na fala e na alma tudo que se refere à identidade de sua fundação. Por isso costuma ser reconhecida como personificação do seu Carisma. Entende-se com isso que ela é escolhida para ser destinatária desse dom proveniente do Espírito, e sua transmissora, mediante transbordamento espontâneo da sua própria existência. Nessa perspectiva, a celebração dos 115 anos de nascimento do Servo de Deus, Pe. José Gumercindo, deve motivar a nós, da Família Gumercindiana: Irmãs Teresinhas, Joseleitos de Cristo e Irmãs da Congregação Divino Mestre, religiosos e leigos, fazermos memória de como ele viveu e o que nos poderia inspirar viver, hoje, como herdeiros do carisma e da espiritualidade que nos legou.
Ao falar de carisma como realidade que toca a vida, supõe-se pensar numa experiência mística, feita primeiramente pelo próprio Fundador e compartilhada depois por seguidores e seguidoras, atraídos não propriamente por ele, mas pelo que dele se exala em palavras e gestos. Importa afirmar que o comportamento dos filhos e filhas espirituais do Fundador não exprime mera imitação dele, mas manifestação do Espírito que gera em cada pessoa vocacionada o desejo natural de viver, ao modo específico de seu Instituto Religioso, o amor, essência da identificação do ser humano com Deus que o criou, e o fez à sua imagem e semelhança. (cf. São João Paulo II, em Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, ‘a vida como vocação’ – maio de 2001). A propósito, vale citar: “Ser religioso para não ser ‘homem de Deus’ é um contrassenso e um fracasso inomináveis. Não provar das alegrias do mundo, nem gozar das alegrias de Deus é a pior das frustrações” (GUMERCINDO, José, em Quarenta Anos no Deserto – QAD- p.154, 6).
A vida do nosso Fundador poderia ser comparada a uma mina de lições de sabedoria e virtude que revelam uma personalidade incomum. Porém, quero convidar quem ler essa mensagem a refletirmos um pouco a partir de apenas três palavras que Pe. Gumercindo nos transmitiu como lema: “AÇÃO, REAÇÃO, ORAÇÃO, lema feliz que tirei da física: Ação, Reação, Inação. Três estados e três forças que impelem a máquina de toda organização. Ação para frente; Reação para trás, que propele para frente… oleada pela Oração, aquela inação, parada necessária e confortante, que faz recomeçar a Ação, com vigor e com vitória”. (ib.155,9). A princípio essas palavras poderiam sugerir um pensamento restritivamente mecânico. Mas, não! “AÇÃO é movimento para frente na marcha para o Pai das luzes...” REAÇÃO é atitude de “reagir até contra a Ação para ser pessoa de Oração. Reagir contra a desídia, contra erros próprios, contra os erros alheios, contra correntes avassaladoras do bem” (id. em Pedaços D’ Alma, pg. 153).
O Servo de Deus Pe. Gumercindo tinha uma vida intensamente ativa. Iniciava o dia junto com seus filhos espirituais com meditação e outras orações; às 06h celebrava a missa com participação, inclusive de fiéis leigos. Dedicava grande parte do dia, manhã e tarde, ao ofício do ensino e educação. Fazia serviços de pároco. Um dia, eu ainda saindo da adolescência, fui casualmente convidado a acompanhá-lo, ao início da tarde, sol a pino, numa visita a uma velhinha prestes a falecer. Era longe, a uns 20 km, então chamou Sr. Gino, que lhe prestava serviço de motorista. Não imaginava que sua caridade pastoral, seu modo sereno e compassivo no trato com aquela irmãzinha e sua família ficariam para sempre gravados na memória do meu coração a me iluminar e animar no trato com os sofredores. Para encerrar seu dia, acompanhava-nos nas orações que fazíamos à noite, e concluía tudo com uma sábia e paternal preleção, chamada “Boa Noite”, pois ao final nos saudava assim e recebia um a um que, reverentemente, beijava-lhe a mão.
Destaque-se ainda o tempo que Pe. Gumercindo dedicava aos pobres, principalmente, aos sábados, quando era procurado por muitos à procura de ajuda para comprar alimentos e medicamentos.
A lembrança de tudo isso emociona e desperta uma pergunta: de onde lhe vinha tanta energia, paciência e disposição? Ele era de fato um “homem de Deus”, que rezava muitas vezes com os seus, e por certo, continuamente a sós.
A Oração estava permanentemente presente na vida do Pe. Gumercindo. Conforme o que se podia ver, sua vida orante baseava-se: na celebração e devoção à Sagrada Eucaristia, centro da sua vida; na devoção aos santos, mormente a Nossa Senhora, mediante a recitação do terço mariano; na meditação, baseada na Palavra de Deus e em ensinamentos da Igreja. Fazia também parte da sua espiritualidade o Terço do Pai Eterno, que ele criou e nos ensinou a rezar em nossos retiros espirituais.
Os que conheceram o Servo de Deus, Pe. José Gumercindo, vendo-o, poucas ou muitas vezes, devem ter na memória a figura de um homem de mediana estatura, voz grave, sério, inteligente, culto, ótimo professor, compenetrado no que fazia, principalmente ao celebrar a santa missa e outros atos litúrgicos ou fazendo uma simples oração. Quem teve o privilégio de conviver com ele, com mente e coração especialmente iluminados, pode atestar que tudo isso é verdade, somado à sua bondade, sensatez e amabilidade, atributos que o tornavam capaz de encantar, resgatar e transformar pessoas, fossem crianças, jovens ou adultos.
Pe. Raimundo Ribeiro Martins, SJC
Salvador, 13 de agosto de 2022.
Festa Litúrgica de Santa Dulce dos Pobres
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