“Antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos” (Ef 1,4)
Visto que a Comissão Bíblico-Catequética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e as instituições bíblicas escolheram como tema do “Mês da Bíblia” a “Carta aos Efésios”, parece bem oportuno fazer uma reflexão vocacional inspirada neste escrito neotestamentário, mais precisamente a partir do hino (Ef 1,3-14), que é condutor de todo o texto da Carta e sua abertura temática. É a vida íntima de Deus que nos é revelada: a Trindade. Deus Pai envia o seu Filho ao mundo, através do mistério da encarnação, e derrama o Seu Espírito Santo para nos conduzir nesta vida até a vida do mundo que há de vir. Isso significa que nós temos um único destino de existência: participarmos da vida de Deus, ou seja, a salvação. Isso porque, conforme a teologia judaica e a cristã, a história não está escrita e determinada, mas se apresenta sempre como presente aberto, no qual o ser humano, ao tomar conhecimento do plano salvífico de Deus, é chamado, na liberdade, a responder positivamente, colocando a sua vida numa dinâmica de conversão, ou pode responder negativamente e obter como resultado o fracasso existencial.
Nesse sentido, o texto paulino nos diz que em Cristo o pai nos escolheu “antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos” (Ef 1,4); nos diz também que “no seu amor nos predestinou para sermos adotados como filhos seus por Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua livre vontade, para fazer resplandecer a sua maravilhosa graça, que nos foi concedida por ele no Bem-amado” (Ef 1,5-6); e nos diz ainda que em Cristo fomos escolhidos “para servirmos à celebração de sua glória, nós que desde o começo voltamos nossas esperanças para cristo” (Ef 1,12). Tudo isso significa que fomos chamados à existência porque “escolhidos” por Deus Pai, em Jesus Cristo, no Espírito Santo (Ef 1,13) para participarmos da vida divina. Sendo assim, o sentido da nossa existência consiste também numa “escolha”, ou seja, cada um de nós é chamado a escolher a melhor parte (Lc 10,42), isto é, fazer da vida uma resposta de amor ao amoroso plano de Deus nosso Pai, assim como fez Jesus. Trata-se de uma escolha que deve ser renovada a cada dia, no passo a passo de nossa existência.
Para mais, ao afirmar que em Cristo o Pai nos escolheu e predestinou antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos, para sermos seus filhos adotivos e para servirmos à celebração de sua glória, participando da intimidade de sua própria vida divina, a Carta aos Efésios nos ensina que o único modo ou caminho para vivermos à altura desta vocação é a Sequela Christi, ou seja, aderindo firmemente ao modelo de vida oferecido pelo próprio Cristo, Deus humanado, que não nos ofereceu um modelo de vida angelical ou etéreo, mas um estilo de vida que pode ser alcançado ou imitado pelo ser humano, na sua integralidade, “pois ele viveu em tudo a condição humana, menos o pecado” (Hb 4,15). Isso significa que tudo aquilo para que Deus nos escolheu em Cristo, ou seja, a nossa vocação, nós o alcançamos à medida que nos humanizamos, e nos distanciamos da escolha de Deus quando nos desumanizamos, pois, ser santo e irrepreensível aos olhos de Deus e ser humano não são coisas diferentes. A expressão: a Igreja e o mundo precisam de santos, também pode ser dita de outro modo: a Igreja e o mundo estão carentes de pessoas verdadeiramente humanas. O Filho de Deus se encarnou no seio da Virgem Maria e se fez homem para nos mostrar exatamente isso.
Taubaté, 30 de setembro de 2023.
Ir. Gilmar Anacleto da cruz, sjc.