Exorto-vos a lutar pela fé que os santos receberam de uma vez para sempre (Jd 3).
De várias e de diferentes formas Deus se manifestou ao seu povo. Num primeiro momento na obra da criação e, posteriormente, no decorrer da história, como por exemplo: na eleição dos patriarcas, na constituição do povo eleito, nas alianças formadas, no processo pedagógico da passagem pelo deserto, no ingresso na Terra Prometida, na constituição da monarquia e nos movimentos proféticos. Mas “na plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido debaixo da lei, a fim de resgatar os que estavam debaixo da lei, de modo que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4, 4-5). Portanto, o máximo da comunicação e da revelação divina se dá em Jesus Cristo, Ele é “a palavra que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14).
Esta manifestação do verbo de Deus teve por finalidade a restauração do gênero humano que caíra na corrupção do pecado, mas também o desejo de unidade, como o próprio Jesus reza ao Pai: “Para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; para que também eles estejam em nós” (Jo. 17,21). Logo, restaurados em Cristo, o homem tem a missão de formar comunhão, que pode ser compreendida de duas formas: vertical (com Deus) e horizontal (com os irmãos), obedecendo ao duplo preceito do amor – amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Mas esta unidade a qual o ser humano é chamado a abraçar é um projeto eclesial, ou seja, deve ser vivido a partir da igreja, que é depósito da fé e tem a missão de santificar, educar os seus filhos e guardá-los na unidade.
É perceptível que nos últimos anos tem eclodido em todo o mundo, com a ajuda das redes sociais, uma onda de polarização violenta, onde diversos grupos se fecham em si, em suas convicções e não estão dispostos a dialogar ou a conviver de forma saudável com as diferenças. A Igreja, por não ser uma realidade alheia ao mundo, também sofre com essas tristes realidades e conclama os fiéis a manterem a unidade da fé e a superarem todo tipo de divisão. A Igreja é diversa por natureza, como afirma São Paulo: “Existem diferentes dons, mas o Espírito é o mesmo. Existem diferentes ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Existem diferentes atividades, mas o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é concedida a manifestação do Espírito para o bem comum” (1 Cor 12, 4-7). Mas esta diversidade não deve ser motivo para divisão, fechamento e ódio. O convite do próprio Senhor é para formar uma unidade, pois “há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e em todos” (Ef 4, 6). É mister compreender que unidade não é uniformidade, para estar em comunhão não precisa abrir mão da singularidade, não precisa pensar da mesma forma, mas, pelo contrário, preservando e respeitando aquilo que é próprio de cada pessoa, todos podem estar em comunhão desde que dialoguem sobre aquilo que é comum a todos, e, neste caso, o ponto mais excelente de unidade é o próprio Deus que é, por natureza, comunhão perfeita.
Em se tratando de busca pela unidade, a pequena Carta Católica de Judas exorta os fiéis a lutarem e guardarem a fé que foi entregue pelo próprio Senhor e a não deixarem enganar pelas falsas doutrinas ou falsos pastores, pois “se infiltraram entre vocês alguns indivíduos há tempo marcados por esta sentença: homens sem piedade, que transformam a graça de nosso Deus em pretexto para a indecência e renegam o único mestre e Senhor, Jesus Cristo” (Jd 4).
Diante das dificuldades, o autor faz o apelo à vida comunitária: “Vocês, porém, amados, edifiquem a si mesmos sobre o alicerce da santíssima fé, rezem movidos pelo Espírito Santo, mantenham-se no amor de Deus, colocando na misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo a esperança da vida eterna. Procurem convencer os vacilantes; salvem os outros, arrancando-os do fogo; tenham compaixão de outros ainda, mas com cautela” (Jd 20-23). Judas aponta para as virtudes teologais como um caminho de superação dos conflitos, enfatizando o amor – a Deus e aos irmãos – como o mais perfeito caminho para a unidade.
De fato, o suave caminho do amor é a forma mais excelente para guardar a unidade na diversidade e superar os desafios da existência. Este é o caminho da perfeição que muito bem expressou São Paulo na Carta aos Coríntios: “O amor é paciente, prestativo é o amor, não é invejoso, não se vangloria, não se incha com de orgulho. Não falta com respeito, não é interesseiro, não se irrita, não planeja o mal, não se alegra com a injustiça, se alegra com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo suporta” (1 Cor 13, 4-7).
Este amor é expresso também na forma de sinodalidade, uma vez que, no amor, todos são chamados a caminhar juntos, fazer comunhão e, de mãos dadas, construir o Reino de Deus. Há uma palavra da cultura africana que expressa de forma muito bonita este sentido da sinodalidade – Ubuntu – que significa: “eu sou porque nós somos”. Essa expressão tem na sua natureza o sentido de unidade, comunhão, partilha, solidariedade. Na cultura do Ubuntu, o homem é um ser-com-os-outros, se um perde, todos perdem, se um sofre, todos sofrem. É a verdadeira cultura do encontro e indica o modus vivendi de todo Cristão.
Ir. Rodrigo Ferreira Nascimento, sjc