O filósofo grego Aristóteles afirma no início de uma das suas obras que “todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer” (ARISTÓTELES, 1973, p. 211). Ou seja, para o pensador, há no ser humano uma inclinação natural para a busca da verdade e uma necessidade de compreender o mundo e tudo o que nele existe. Partindo desta perspectiva, é possível vislumbrar o sentido da educação. Etimologicamente, a palavra educação vem do latim educere que é composta do prefixo ex (exterior) e ducere (conduzir), significa literalmente conduzir para fora. Neste sentido, educação diz respeito a jornada da vida interior que busca conhecer o mundo.
Desde o ano de 1964 a Igreja no Brasil propõe, para o tempo da quaresma, a Campanha da Fraternidade, que é um dispositivo pastoral para despertar no povo de Deus o espírito de comunhão, conversão e partilha, levando a refletir, à luz da Palavra de Deus, neste tempo favorável de conversão e compromisso, os problemas sociais existentes e apontar para novos caminhos a fim de construir uma civilização do amor. Em sintonia com o Papa Francisco, a Campanha da Fraternidade de 2022 tem como tema Fraternidade e educação, e como lema, Fala com sabedoria, ensina com amor (Pr 31,26).
De modo geral, o Texto-Base da Campanha da Fraternidade de 2022 convida a três atitudes que serão exploradas de forma sintética nesse texto, a saber: escutar, discernir e agir. Para que, percorrendo este itinerário, os fiéis possam refletir sobre a situação real da educação no Brasil, meditar à luz da Palavra de Deus e tomar decisões tendo em vista a construção de uma educação comprometida com o humanismo integral e solidário.
Uma condição sine qua non para falar com sabedoria e ensinar com amor é a escuta. É fundamental uma pedagogia da escuta, mas não aquela que faz com que se escute somente o que interessa ou que fortaleça os preconceitos, disposições ou indisposições, mas deve-se escutar a inteireza da realidade, inclusive as realidades que incomodam, provocam e tiram a pessoa da zona de conforto.
Em se tratando de inteireza, esta deve estar na essência da educação, que deve formar o homem na sua integralidade, pensando numa lógica que esteja para além de uma racionalidade técnico-utilitária. Em uma época em que a educação se volta para um projeto apenas técnico, pragmático e utilitário, que se deixa levar unicamente pela lógica do mercado e dos exames como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), é urgente o grito por uma educação humanizada. A realização profissional é importante, mas a vida não se resume a isso, deve-se observar sempre os vários aspectos que compõem a pessoa.
No discernimento que se pratica a partir da escuta da Palavra de Deus, pode-se contemplar o maior exemplo de educador, o próprio Jesus Cristo. Ele tinha uma pedagogia própria, que era, acima de tudo, a da misericórdia, do amor e do perdão, mas também da disciplina. Jesus atraía para si multidões, e todos os que acorriam a Ele tinham suas vidas transformadas pelo seu modo de ensinar. No percurso da história, tendo o Filho de Deus como Mestre e Senhor, vários missionários e missionárias, diante de tantas realidades sofríveis, se sensibilizaram e doaram suas vidas pela educação, especialmente dos mais pobres, entre eles pode-se citar São João Bosco, o pedagogo de Turim, São João Batista de La Salle e o Servo de Deus, Pe. José Gumercindo Santos, o grande educador do nordeste brasileiro.
Esses homens e mulheres são exemplos de que é possível uma educação integral humanizada, não somente no sentido temporal, mas eterno, haja vista que o homem não se resume somente na sua corporeidade, mas é uma síntese de temporal e eterno, e, portanto, a educação cristã que tem por missão a formação o homem integral, passa pela temporalidade, na defesa da vida desde a concepção até o fim natural, no cuidado com a casa comum, até a eternidade, não podendo esquecer jamais do horizonte da salvação.
A educação é a principal ferramenta para a transformação do mundo. A filósofa Hannah Arendt afirma que “a essência da educação é a natalidade, o fato de que seres novos nascem para o mundo” (ARENDT, 2016, p. 222). Esta concepção de natalidade é muito significativa, pois é como se a educação desse à luz a novos seres para o mundo, e estes, o preserva do ódio, da violência e da barbárie. Neste sentido, o Pe. José Gumercindo Santos vê também a educação como esta renovação do mundo, ele afirma em suas memórias que a Igreja “como Mãe e Mestra deve abrir colégios para fechar cadeias” (SANTOS, 1981, p. 137), ou seja, na medida em que os homens trilham este itinerário educativo que forma para o bem e para o amor, passa a não ter mais a necessidade de um sistema carcerário para puni-los, pois surgem novos homens e mulheres que assumem suas responsabilidades pelo mundo e lutam para torná-lo cada vez mais habitável.
A pedagogia gumercindiana, inspirada no Sistema Preventivo de Dom Bosco, é sustentada por um tripé, sendo ele: Instrução, educação e religião. A instrução, diz respeito a formação intelectual da escola até a universidade; a educação, se refere à formação integral do homem, que coloca a pessoa e sua totalidade no centro num conjunto de relações; a religião, que na educação integral é imprescindível a observância de seus valores, pode contribuir para a construção da paz, do respeito, do diálogo e da relação entre o homem e o transcendente. O Joseleito, deve sempre inspirar-se neste tripé, e, como fez o Servo de Deus, Pe. José Gumercindo, espalhar instrução, educação e religião aos quatro ventos, a fim de formar homens novos para um mundo novo.
Humanizar a educação é uma urgência para a atualidade. É necessário propor um humanismo no qual o homem seja um ser humano e não uma coisa ou um deus. Dessa forma, além de integral, a educação precisa ser integrada, para tanto, é necessário expandir os limites da sala de aula para a experiência em sociedade e gerar fraternidade, solidariedade, comunhão e partilha. Neste sentido, o Papa Francisco convida os fiéis a um Pacto Educativo Global, onde todos são convidados a assumir suas responsabilidades na educação. A escola, a família, a Igreja e toda a sociedade devem se envolver diretamente, pois como diz o proverbio africano, é preciso uma aldeia para se educar uma criança.
Ir. Rodrigo Ferreira Nascimento, sjc
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa, Perspectiva, São Paulo/SP, 2016, 344 p.
ARISTÓTELES. Metafísica (livro I). Tradução de Vincenzo Cocco e notas de Joaquim de Carvalho, Editora Abril Cultural, 1ª ed, São Paulo/SP, 1973, 533 p.
CNBB. Texto-Base da Campanha da Fraternidade de 2022. Brasília/DF, Edições CNBB, 2021.
SANTOS, José Gumercindo. Pedaços d’Alma: Memórias. Bahia Artes Gráficas Ltda, Feira de Santana/BA, 1981, 221 p.